Embrulhos
Jornal O Estado do Maranhão, 21/2/2010
Andei em dúvida esta semana. Eu não sabia qual de dois assuntos adotava nesta conversa quinzenal, que não sei se é, em verdade, um monólogo. Decidi por ambos. Vamos ao primeiro.
Em Brasília, cidade onde morei durante dez anos, vítima há séculos de meliantes de todo o Brasil, o governador, então filiado ao partido DEM, é filmado recebendo dinheiro de propina, crime também praticado por gente próxima a sua administração e diversos deputados distritais, membros de uma Câmara encarregada constitucionalmente de julgar pedidos de impeachment contra ele. O Poder Judiciário (pode-se chamá-lo de distrital também?) parece não andar igualmente cumprindo suas obrigações. Tá tudo dominado.
O Presidente da República aproveita a deixa e diz esperar do episódio da prisão temporária do chefe do Executivo de Brasília, hoje licenciado – ele afundou mais ainda o pé na lama ao obstruir a coleta de provas com a tentativa de subornar testemunhas de acusação a ele e por isso foi preso – que sirva de exemplo a quem estivesse pensando em roubar também. Ninguém da turma levantou o dedo.
O vice-governador assume o cargo, como manda a Constituição. Contudo, como ele se encontra da mesma forma envolvido no embrulho, todos esperam sua renúncia. Tal gesto, se consumado, exigiria a intervenção federal em Brasília. Volta à boca da cena, ou melhor, às coxias, o presidente e sussurra que ele não renuncie, pelo menos ainda não, enquanto alguma outra solução se impõe. O governador licenciado deve servir de exemplo, mas seu substituto, não, de imediato. Este reafirma seu desejo de cooperar e, com o destemor típico de um mercantil, dolorido, todavia poético, merca(dor) (an)dante, renuncia à renúncia; o presidente da Câmara Distrital diz ver a permanência do quase renunciante "com naturalidade"; alguns petistas desavisados de Brasília exigem sua saída imediata do cargo, após um inesperado surto de moralismo; o Ministério Público Federal não pensa como o presidente e quer fora do jogo os governantes suspeitos; os deputados distritais, em grande parte envolvidos na roubalheira, propõem o impeachment do licenciado e seu sucessor, esperançosos de convencerem o STF de não estarem comprometidos com as falcatruas, etc., etc., etc. A coisa é cansativa.
O segundo assunto fica na conta do PT de José Dirceu e outros. O partido clama aos céus, ao estilo do realismo socialista da União Soviética, em seu encontro nacional a ser encerrado hoje, por mais presença do Estado na economia e, portanto, mais corrupção. Dilma Roussef defende a tese não apenas na área econômica, a fim de "induzir investimentos", senão também na de obras. Vê, ainda, um "retraimento do pensamento crítico", guiando-se pelas palavras do coordenador de seu programa de governo, Marco Aurélio Garcia. Com respeito à economia, a referência não deve ser ao PT, que fez aliança com o execrado, grande e selvagem capital. Quanto ao tal pensamento, a insinuação deve ser, sim, relativa ao PT, anteriormente crítico sem pensamento de todo mundo, a toda hora, com ou sem motivo, e agora calado sobre os escândalos de seu próprio governo. Bem fez Lula ao ignorar as ideias do petismo e dar continuidade à política econômica do governo anterior, assim como seu sucessor ou sucessora haverá de seguir a boa herança deixada por ele nesse campo.
Aliás, esse pessoal costuma fazer aos defensores da livre iniciativa e adversários do estatismo, pesadelo já colocado na galeria da vanguarda do atraso pela história, a "acusação" de atribuírem ao mercado o poder de resolver, sozinho, todos os problemas da economia. Nada mais mentiroso. Não se tem conhecimento da existência de ninguém com bom senso e meia dúzia de neurônios funcionais, exceto os ingênuos mercadistas, que pensem dessa forma. Nem os pais do liberalismo clássico defenderam posição como essa e na verdade conheciam o papel do Estado na sociedade, limitado, mas indispensável na segurança, saúde e educação públicas e à imposição de regras da livre concorrência e, por conseguinte, de combate aos monopólios.
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