11 de fevereiro de 2007

Cortar vínculos

Jornal O Estado do Maranhão

Mais de uma vez mencionei aqui os problemas criados à política de gastos do governo pelas vinculações constitucionais que forçam o administrador público a aplicar percentuais fixos de seus orçamentos em determinados setores, como em saúde e educação, exemplos mais conhecidos. Seus defeitos eram de todo invisíveis quando começaram a ser usadas, em poucas áreas e sem comprometimento de fração elevada do orçamento. Foram utilizadas a seguir com o fim de vincular tantas coisas, que hoje, a fatia de recursos livres de algum tipo de atrelamento setorial tornou-se pequena, deixando aos responsáveis pelas decisões de política econômica quase nenhuma possibilidade de adequar a composição dos gastos ao ambiente econômico, que pode mudar, e muda. Agora leio na revista Veja entrevista do ex-ministro Antônio Delfim Neto, em que ele fala de “uma lista enorme de emergências no setor público”, dando como exemplo precisamente a questão das vinculações: “No Brasil ela existe para a saúde, para a educação, para tudo”, diz ele com muita propriedade. Consideremos o seguinte. Se levarmos essa prática ao extremo e aceitarmos todas as suas implicações lógicas, chegaremos à conclusão de que todos os setores, não apenas alguns, deveriam ter garantia constitucional de recursos, em proporção à prioridade de cada um nos planos governamentais que, por sua vez, deveriam refletir as preferências da sociedade. Estabelecida assim a partilha, revisões anuais dos percentuais seriam feitas, de acordo com mudanças nas macrovariáveis econômico-sociais. Conceitualmente, isto seria equivalente a abolir as vinculações, como as conhecemos, e aumentar a racionalidade e flexibilidade da execução orçamentária, objetivo de todo bom administrador. No entanto, não se observa nenhum movimento nessa direção. Ao contrário, se fala em mais vinculações, não em menos, e num deletério orçamento impositivo, maneira infalível de criar problemas para a economia, pois seria um mecanismo a mais de rigidez, o que faz lembrar, em outra área de política econômica, o dispositivo enfiado na Constituição de 1988, mas, por felicidade depois retirado, de limitação da taxa de juros a 12% ao ano. Neste caso, o bom senso prevaleceu. As vinculações constituem péssima prática porque congelam para sempre as prioridades do momento de seu estabelecimento, como assinalou o ex-ministro, não importando eventuais mudanças nas circunstâncias e nos desejos dos cidadãos. Se, por exemplo, no próximo ano todos os problemas do sistema educacional brasileiro estivessem resolvidos, ainda assim o governo continuaria a aplicar no setor o mesmo percentual deste ano. Tal rigidez, que não leva em consideração diferenças regionais ou as necessidades locais, incentiva a ineficiência porque não estabelece relação alguma, ou o faz de maneira tênue, entre resultados e aplicação dos recursos. Estes, bem aplicados ou não, continuarão a fluir em igual ou maior volume no ano seguinte. É de se considerar também que um dos pressupostos da criação desse sistema foi a incapacidade dos governos de refletir as prioridades dos cidadãos, seus eleitores. No entanto, a ser isso verdadeiro, deveria se mudar o sistema político-representativo do país a fim de nele incorporar mecanismos que assegurem legitimidade à representação popular e atendimento das aspirações da sociedade, dentro, claro, das limitações do orçamento, que não deveria ser engessado. Esse é mais um exemplo de como boas intenções podem levar a resultado oposto ao pretendido. Essa não é uma discussão de cunho ideológico. Trata-se de aumentar o grau de racionalidade na administração de recursos públicos, no interesse de todos. É, afinal, obrigação dos governantes, pois esse dinheiro vem de nossos bolsos e de nosso trabalho.

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