21 de maio de 2006

Terror e caos

Jornal O Estado do Maranhão

Há diversas causas para a violência das grandes cidades brasileiras, fenômeno fora de controle do poder constituído, como se viu nos ataques de organizações criminosas, comandadas de dentro de penitenciárias, à polícia e população paulistas. Digo descontrolada porque não tenho ilusões a respeito da agressividade inata do ser humano. Essa visão me leva a pensar que, mesmo nas sociedades pacíficas, assim classificadas após o processo civilizatório ter realizado sem impedimentos sua missão, sempre restarão saldos de brutalidade humana a nos fazer refletir sobre a herança que temos em comum com os parentes do reino animal. Não falo dessa espécie de “normalidade violenta”, mas da situação de quase barbárie predominante hoje no Brasil, sem termos sequer a justificativa de ter ela origem no Estado, em nome da criação de um paraíso terrestre, como no comunismo, ou de derivar de movimentos revolucionários com ideologias de retórica libertadora, mas de práticas despóticas, como os da Colômbia.
Ninguém poderá negar a influência de fatores sociais na alimentação da violência. Entre esses, mais do que a pobreza, a desigualdade parece ser o mais influente. Não fora assim, as sociedades mais pobres da América do Sul, como a boliviana, seriam as mais violentas. No entanto, não o são. A pobreza relativa, em síntese, e não a absoluta, pode ser uma das explicações. Outras, ligadas a porção não menor do problema, são de natureza diferente.
A justiça paga bem a seus juízes, mas é lenta, dominada pela cultura dos pontos e vírgulas e do formalismo, bem como pela baixa produtividade de quem, em muitos casos, segue a jornada semanal de trabalho de terça a quinta-feira. Progressos têm ocorrido, como com a criação do Conselho Nacional de Justiça. Todavia, muito mais terá de ser feito a fim de tirar dos criminosos a certeza da impunidade, fonte de incentivo ao crime.
A polícia é mal remunerada e, por conseguinte, sujeita às tentações da corrupção, mal equipada, mal treinada e, sobretudo, dividida em duas, com freqüentes episódios de desentendimento, numa manifestação de irracionalidade prejudicial ao cidadão necessitado de proteção do Estado. Deveria existir apenas uma, menor, porém com alta eficiência a ser proporcionada pelo uso de moderna tecnologia de combate à criminalidade.
O sistema penitenciário produz violência em escala industrial. Em acomodações projetadas para abrigar, vamos supor, 100 pessoas, 300 ou mais são entulhadas. É ocioso falar com detalhes sobre as conseqüências de procedimento como esse. Estudos com ratos de laboratório evidenciam crescimento da violência, quando a população cresce, mas o espaço disponível não. Investimentos na construção de presídios, compra de equipamentos de segurança e treinamento de funcionários não são prioritários e não têm sido realizados por sucessivos governos que pensam gastar menos fazendo das penitenciárias depósitos de seres humanos.
A reação das autoridades foi calamitosa. O PT e o PSDB acusaram um ao outro pelas falhas, na segurança pública, de administrações deles mesmos; o governo federal acusou o estadual e vice-versa; o de São Paulo fez acordos com os criminosos. A polícia, por sua vez, depois da diminuição das rebeliões nos presídios, decidiu se vingar do assassinato de policiais. Em poucas horas matou dezenas de pessoas nas ruas de São Paulo.
É perda de tempo fazer sugestões sobre providências a serem tomadas, porque todos sabem o que fazer, como sabem da inutilidade de aprovar nova legislação, pois o problema não é de escassez, mas de excesso de leis. Esse emaranhado legal cria as brechas por onde os bandidos escapam. É por aí e pela omissão e irresponsabilidade que se chega à falência do Estado, ao terror e ao sufocante caos em que vivemos.

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