José Aniesse

Jornal O Estado do Maranhão

Na Quarta-Feira de Cinzas, fomos, parentes e amigos, levar o corpo de José Aniesse Heickel Sobrinho ao cemitério, onde, ainda perplexos com o inesperado de sua morte, nos despedimos do querido amigo, mas não das lembranças que ficarão em nossas mentes e corações até o momento de cumprirmos também o nosso destino inexorável de retorno ao pó. Para muitos, a vida dele não se encerra com o ritual de despedida. Haverá nova e melhor existência num paraíso e nisso vai um consolo para os que ficam pesarosos, todavia crentes num renascimento. Outros, como eu, gostam de pensar que vivemos enquanto sobreviverem naqueles com quem tivemos alguma coisa em comum, e em nossos filhos e netos, a memória do que fomos na vida. Essa, penso eu, é a imortalidade essencial. Se, de fato, for assim, então ele tem, desde já, essa garantia de não morrer nas lembranças de todos os que o conheceram.
Lembranças capazes de me fazer ver no seu féretro, durante o velório, não um homem que nasceu em 1948, ano do meu próprio nascimento, com diferença de poucos meses, mas um menino portando orgulhosamente duas cartucheiras com brilhantes revólveres, um verdadeiro caubói, pronto a sacar suas armas e eliminar os malfeitores, como faziam nossos heróis dos filmes de bangue-bangue e das histórias em quadrinhos que enchiam nossa imaginação de crianças. Organizávamos então, no Monte Castelo, em sua casa, na minha ou nas de outros pequenos companheiros, campeonatos de botão nunca levados até a partida final, por causa da desconfiança de todos em relação aos juízes. Estes, do ponto de vista de cada um de nós, sempre beneficiavam os nossos adversários. O jeito era recolher os atletas à solidão da concentração nas latas de pastilhas Valda, forradas com flanelas, a fim de evitar arranhões nos botões e preservar suas habilidades, e esperar pelo próximo torneio. Jogávamos bolinha e chucho no quintal de terra da vizinha da casa de meus pais, dona Antônia, onde havia uma ramosa mangueira com suas cheirosas frutas, e, aos domingos, futebol de salão no SENAI, com a sempre compreensiva permissão do diretor, Raimundo Teixeira. Nessas brincadeiras e em tudo mais, José Aniesse era intenso, contudo alegre e afetivo, com aquele jeito de andar como quem está sempre a ponto de dar um abraço amistoso.
Havia algo em que ele era superava todos nós, quando crescemos um pouco. Era na vida amorosa. Enquanto a turma toda penava dolorosamente para se livrar da timidez e conseguir uma namorada, uma única, mesmo por brevíssimo tempo, ele, com uma facilidade que espantava todo mundo, fazia coleção delas. Na época, um dos mais famosos galãs de Hollywood, uma espécie de Brad Pitt ou Leonardo di Caprio da época, era Tony Curtis. Pois assim ele era às vezes chamado, pelas conquistas e pela semelhança física com o ator. Consolávamos a nós mesmos da inveja do sucesso do nosso amigo dizendo: Também, ele dirige carro e a gente não! É óbvio que não queríamos reconhecer seu poder de sedução. Além disso, ao dar essa explicação não percebíamos a injusta acusação de as mulheres serem interesseiras.
Já adultos, não tivemos a oportunidade da convivência freqüente ou próxima, seguimos em diferentes direções na vida. Andei por outras terras durante quinze anos.  Mas permaneceu sempre entre nós um relacionamento de verdadeiros amigos, feito dessas lembranças acerca daquele bom pedaço de nossas vidas de meninos felizes, época que recordávamos quando nos encontrávamos.
Por certo, a morte de um amigo ou de um parente nos rouba um pouco de vida, pelas referências perdidas e mutilação de certas experiências compartilhadas, transformadas de repente em apenas metade do que eram. Mas, as restantes poderão servir como um diálogo com o morto. Dessa forma, ele não estará de todo ausente.

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