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Justos e pecadores

Jornal O Estado do Maranhão Os fora-da-lei de todos os tipos – traficantes, assaltantes, assassinos – que, num momento de descuido do nosso sistema de administração de justiça, acabaram presos, condenados e colocados em alguma penitenciária, começaram, há algum tempo, (vejam só a esperteza imprevisível!) a usar celulares pré-pagos a fim de se comunicar com seus comparsas e dirigir seus lucrativos negócios. Alguma coisa tinha de ser feita, e foi, com o propósito de impedir a comunicação entre eles. Uma medida foi tomada, para ninguém se meter a acusar as autoridades de indiferença ante a sorte do povo e desconhecimento de seus problemas. Por sinal, foi a mais apropriada providência, em um momento de aumento do desemprego no país e crescentes preocupações com o aumento das invasões de propriedades na zona rural em todo o Brasil e de prédios nas cidades. De agora em diante, pela nova lei de número 10.703, todo adquirente dos pré-pagos será obrigado a cadastrá-los nas operadoras do serviço...

Perdas

Jornal O Estado do Maranhão O inexorável destino comum a todos nós, indiferente às virtudes e defeitos, méritos e deméritos dos que vão sucumbindo mais dia menos dias a suas exigências sem sentido, tem dado ultimamente de arrancar de nosso convívio pessoas que, pela imensa contribuição dada ao patrimônio comum de nossa cultura, tão laboriosamente construída por gerações e gerações de maranhenses, multiplicaram esse estoque de riqueza impossível de ser medida em toneladas ou em dinheiros, mas que, mesmo sendo intangível, é, no entanto, ou por isso mesmo, indispensável à vida de qualquer povo. As mortes nos últimos meses, no curto período de um ano, aproximadamente, de Eloy Coelho Neto, Amaral de Mattos, Mário Meireles, Antônio de Oliveira, estes todos da Academia Maranhense de Letras – AML, e mais de Ambrósio Amorim, já seria golpe bastante cruel para a alta cultura do Estado e a família dos mortos. Como se a imposição de semelhantes golpes, porém, não pudesse diminuir essa ânsia destru...

Estrada real

Jornal O Estado do Maranhão Proclos de Bizâncio foi o último grande expoente da Escola Neoplatônica, instalada em Alexandria no século III d. C. Ele escreveu os Comentários a Euclides , famoso matemático grego, que viveu na mesma Alexandria por volta de 300 a. C., quase seiscentos anos antes, portanto. Segundo ele, certa vez Ptolomeu I, primeiro governante da dinastia que, desde a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a. C., reinou no Egito, anteriormente parte do Império Macedônico, perguntou a Euclides se não haveria um caminho rápido no aprendizado da geometria. O matemático teria respondido: “Não há estrada real para a geometria.” Algo semelhante me disse o Euclides maranhense, em verdade Euclides Barbosa Moreira Neto, quando eu lhe perguntei se existia um caminho fácil ou se existia um segredo na feitura de tantas coisas no campo cultural, como as que ele realiza em todo o Estado. O segredo, diz ele, é o amor pela cultura em todas as suas formas e a determinação de realizar. Se olh...

Vida de cachorro

Jornal O Estado do Maranhão Recebo um telefonema de um velho amigo, de quem não tinha notícias havia meses, morador de Foz do Iguaçu, falando da vida que, segundo ele, anda pela hora da morte. Nada caminha certo neste país e no mundo. Nada muda, ou melhor, tudo muda para ficar no mesmo. Caras novas, barbudas, há. O que não há são idéias novas. Ele termina seus comentários dizendo que está levando uma vida de cachorro, como resultado da política econômica do governo, classificada por ele de neoliberal e imposta pelo FMI. Aí, ele se espantou com meu protesto veemente. Não contra o palavrão “neoliberal”, atirado assim, sem mais nem menos, contra o governo do PT. Meu amigo conhece meu pensamento acerca do caminho tomado por Lula com respeito à condução do país: ele está, acertadamente, fazendo o possível e o razoável. Se essa orientação conflita com as velhas idéias petistas sobre a melhor maneira de gerir a economia brasileira, então pior para elas. A mudança do PT é bem-vinda. A responsa...

Coisa de mulher

Jornal O Estado do Maranhão   Futebol é coisa pra homem. Ou assim dizem os homens. De fato, se olharmos unicamente para o aspecto físico do esporte, pode ser que possamos descobrir uma pitada de verdade nessa afirmação. Esse é um jogo de muito contato físico entre seus praticantes. Cada vez mais, o vigor desempenha nele um papel decisivo, podendo fazer a diferença entre vitória e derrota, glória e crucificação. Entendam-me, porém. Não quero dizer que a habilidade dos jogadores não conta. Não é isso. Para poder mostrar seu talento, no entanto, o jogador hoje em dia tem de ter, como primeiro e mais importante pré-requisito a um bom desempenho, um excelente condicionamento físico. Uma olhada nas velhas fitas de vídeo da Copa do Mundo de 1970, para ficar num exemplo caro ao torcedor brasileiro, irá nos mostrar a diferença entre a velocidade e força utilizadas nos jogos daquela época e nos de hoje. Lembro de Gérson pegar uma bola no meio de campo, com todo o tempo do mundo para olhar a...

Ficar

Jornal O Estado do Maranhão   Ouço por todos os lugares aonde vou aquela conversa sobre as maravilhas do passado: “No meu tempo, sim, era bom”. E lá vem discurso sobre coisas supostamente originais que se faziam e não se fazem mais – como se houvesse novidades sob o Sol e sobre a Terra –, sobre os jovens não saberem como o mundo era melhor naquela época, sobre aventuras que, acho eu, parecem aos de hoje do tempo do Noé de antes do dilúvio, tudo num infindável lamento, parecido com o do personagem de Machado de Assis, Dom Casmurro. Este tentou unir as duas extremidades da existência, a juventude e a velhice, construindo, já na meia-idade, uma nova casa, copiada daquela de sua infância no Rio de Janeiro do século XIX. “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”, diz ele logo no início do livro. Será isso mero saudosismo? Não poderia ser a perene tentativa dos seres humanos de voltar no tempo, a fim de escapar, ainda que apenas simbolic...

As crônicas

Jornal O Estado do Maranhão Fazem-me perguntas, alguns leitores, sobre a natureza da crônica e sobre os bons cronistas. A resposta não é fácil. Para início de conversa sem exigência de terno e gravata, conversa idealmente descontraída, sem muita sisudez, como um domingo no circo, digo que a mim parece não haver uma definição amplamente aceita a respeito desse tipo de prosa. Tal indefinição tem levado muita autoridade no assunto a classificar como crônica tudo aquilo que nós chamamos assim. Do ponto de vista da etimologia, a palavra tem origem no latim chronica , chronicorum , “relato de fatos em ordem temporal, narração de histórias segundo a ordem em que se sucedem no tempo”. Há, porém, sutilezas nos significados dela, adquiridos desde sua incorporação, no século XV, à nossa “Última flor do Lácio, inculta e bela”, para ficar com a comum expressão, herdada do parnasiano Olavo Bilac, usada em referência a nossa língua, o que bem mostra a força desse poeta de verdade e a verdade de out...