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Sessão de cinema

Jornal O Estado do Maranhão Apagaram-se as luzes da sala de projeção do Cine Praia Grande, há quinze dias, para a projeção sobre nossa cidade da luz do I Festival Internacional de Cinema, clareando nosso panorama cultural entre 6 e 16 deste mês de março. Foi um acontecimento notável. Um empreendimento desse porte, com essa força de encantamento, com esse olhar universal, é obra necessariamente coletiva, produto de vontades em mostrar que estamos vivos, queremos viver, e de exibir a capacidade de continuar a tradição de nossa cultura, apesar da aridez de nosso tempo. Não aridez da nossa natureza, abençoada por generosas chuvas e refrescada por preguiçosas brisas que sopram na Ilha e dão na gente uma vontade danada de ficar a tarde inteira deitado na rede da varanda, olhando o nosso mar cor de chumbo de onde imensos navios partem levando minério de ferro para distantes terras. Falo da aridez de atitudes, típica de um eterno cruzar de braços e pernas de quem critica porque não produz nem...

Mendes Pereira

Jornal O Estado do Maranhão Domingo passado fui ao velório de José da Costa Mendes Pereira, meu professor de economia agrícola, na época da ditadura e da repressão política, na antiga Faculdade de Economia. Esta funcionava na rua Afonso Pena, no segundo andar do prédio da Academia de Comércio do Maranhão, que ficava no térreo, quando não havíamos, ainda, copiado o modelo universitário americano, de obtenção créditos. No sistema de então, fazíamos a universidade em turmas únicas, em um período de quatro anos, no caso do curso de economia, o nosso. A bem dizer, precisávamos de quatro créditos, sendo cada um a aprovação ao final dos períodos letivos.  Formávamos grupos estáveis, como no ensino de segundo grau, pois convivíamos, no decorrer dessa quadra, com os mesmos colegas e professores. Todos se conheciam bem, na medida em que é possível conhecer-se bem o ser humano ou o que lhe vai na alma. Eu me lembro sempre da gentileza de Mendes Pereira com os alunos e com todos e, sobretudo,...

No carnaval

Jornal O Estado do Maranhão O Carnaval é ocasião para o diabo fazer das suas. É quando ele bota uma capa vermelha nova, dá uma solda e um polimento no tridente enferrujado, retoca a maquiagem infernal, treina compulsivamente aquela risada, digamos, diabólica, de filme de terror, dá uma abanadinha no fogo, para aquecer a sua vida solitária, e sai por aí espalhando todo tipo de tentação gostosa. Cuidado virgens, cuidado santos, não se enganem com aquelas conversas de “toma só um golinho”, “vamos ali depressinha”, “não se preocupe com isso agora”, “ninguém vai saber de nada, só nós dois” ou “claro, eu me caso com você”. É ele falando pela boca dos outros, com seus velhos e manjados truques que, mesmo sendo velhos e manjados, continuam enganando muita gente por esse mundo afora. Mas só as desejosas de serem enganadas. Ele age como os golpistas do conto do vigário do bilhete premiado, useiros e vezeiros em usar o tempo inteiro a mesma história, mas sempre encontrando alguém doidinho para s...

Reynaldo Faray

Jornal O Estado do Maranhão Quando o grande artista maranhense Reynaldo Faray morreu inesperadamente, na semana passada, Oliveira Ramos, um dos nossos melhores cronistas, disse escrever “sobre ele sem conhecimento de causa ou com pouco conhecimento”. Eu, de minha parte, devo dizer que pretendo fazê-lo sem nenhum conhecimento pessoal, pois nunca tivemos a oportunidade de um encontro, mesmo breve. Dessa forma, duas dificuldades se me apresentam agora à tentativa de dizer aqui alguma coisa sobre o morto. A primeira é a de escrever depois daquele cronista. Sendo o excelente escritor que é, não vejo como eu poderia expressar melhor do que ele a grande admiração dos maranhenses por Reynaldo. Devo por isso resignar-me a tentar apenas, mas sem a esperança de sucesso. A segunda dificuldade está naquele fato que mencionei, de não ter sido seu amigo, próximo dele. Esta, porém, não deve impedir-me de dizer algumas coisas sobre o homem que muitos, como eu, viam diversas vezes somente de longe, pou...

As palavras

Jornal O Estado do Maranhão As palavras têm história. Como todos nós, como todos os seres vivos, como o próprio idioma, como o próprio Universo, como a própria vida, como o próprio tempo. Longa história, na maioria dos casos, breve em outros, finita em todos. Mas, ao nascer, crescer e morrer, seguindo a ordem natural das coisas, elas transmitem seus genes etimológicos aos descendentes e freqüentemente nestes sobrevivem. Vamos tomar o exemplo do Latim. Quantas palavras desse idioma chamado de morto, usadas pelos antigos romanos, fazem parte do nosso cotidiano. Até os aparentes neologismos condenáveis vêm do Latim. Como o verbo deletar, incorporado ao português através da língua dos novos romanos, com o verbo to delete , que significa apagar, suprimir, remover, destruir, muito usado atualmente no jargão da informática. Sua origem está em deletus , particípio passado do verbo delere . Muito se ouve falar da sentença de Catão, o Antigo, ou o Censor, ao final de seus discursos no Senado ro...

Lisboa, nova cidade

Jornal O Estado do Maranhão Chego a Lisboa. No caminho até o hotel o motorista de táxi me informa de que, havia pouco, devido ao despiste de um autocarro duas pessoas haviam se ferido. Isso, dizia ele, estava a acontecer freqüentemente nos últimos tempos. Penso na longa viagem e sinto o cansaço. Eles certamente estavam a afetar minha compreensão das coisas mais simples ditas em português, mas resolvo ficar calado a fim de não dar a impressão de não saber a língua. Antes, no aeroporto, ao entrar no elevador com a minha bagagem eu havia encarado aquele aviso: “ carregue o botão ”. Ora, como eu podia carregá-lo se ele estava firmemente fixado? Além do mais, poderia alguém fazer algo de útil com ele, se fosse possível levá-lo? Seria um brinde insólito aos recém-chegados, para ajudá-los a ter uma boa estada em solo português? Ou quem sabe tratava-se de algum tipo de espionagem eletrônica destinada ao controle dos brasileiros em Portugal? Agora me aparecia a história do despiste . Eu de...

Armadilhas

Jornal O Estado do Maranhão Perguntam-me se não me falta assunto para escrever todas as semanas. Falta, claro, algumas vezes. Acontece com todo mundo que escreve. Ninguém esteve, está ou estará livre dessa pane periódica de idéias. Em algum momento ela vai atacar. É uma situação semelhante à do sujeito chamado a dizer alguma coisa, as famosas “breves palavras para não me alongar”, de duração, não raro, de no mínimo meia hora. De repente, lhe dá um branco. Como tem de dizer alguma coisa, ele diz. Tem início aí uma pequena tragédia. Ele começa a soltar as primeiras coisas que lhe vêm à cabeça, a dar voltas, a repetir-se, a dizer que vai terminar logo, mas, de verdade, não diz coisa nenhuma nem sabe como terminar. Exceto no caso de o “discurso” ser dirigido a seu chefe na festa do seu aniversário. Aí o discursador sabe direitinho os elogios a fazer. Nesta última situação, não falta matéria para ele deitar falação à vontade. Quem escreve, porém, precisa ter cuidado. O vento leva a palavra...