3 de março de 2002

Verdades e mentiras

Jornal O Estado do Maranhão
A verdade é a primeira vítima das guerras. O grande general é a mentira. Esse lugar-comum, como quase todos, pode ter seu grão, ou até sua planta inteira, de verdade. É o que se poderia concluir da recente tentativa do governo dos Estados Unidos de criar uma agência governamental chamada Escritório de Informações Estratégicas, ligada ao Ministério da Defesa, conhecido como Pentágono por causa do formato do edifício onde está localizada sua sede na capital do país.
A história começa com a criação da agência, logo após os atentados terroristas de 11 de setembro em Nova York. Ela se destinaria, de acordo com informações recentes da imprensa americana, a divulgar notícias falsas para jornalistas estrangeiros e governantes de países considerados inimigos, provavelmente aqueles participantes do “eixo do mal”, como o Iraque, Coréia do Norte e Iran, conforme classificação da nova Doutrina Bush de policiamento mundial. Mas, os dirigentes dos países classificados como amigos não deixariam de ser contemplados com seu próprio quinhão. Dessa forma, estariam assegurados tanto o desnorteamento das hostes inimigas rebeldes quanto a manutenção das velhas amizades. A justificativa de uma política como essa estaria na necessidade do uso de todas as armas disponíveis na luta contra o terrorismo.
Anunciado seu nascimento, veio logo a morte. No entanto, extinguiram-se junto com o órgão as suas políticas esdrúxulas ou a mentalidade belicosa de seus fundadores? O secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, disse que seu país nunca mentiu e nunca mentirá sobre suas ações militares. Uma afirmação desse tipo, dita em outras circunstâncias, teria pleno direito ao benéfico da dúvida, à suspensão da desconfiança. Como acreditar, porém, em alguém que, segundo todas as evidências, criou algo dedicado justamente a enganar e desorientar todo mundo pelo mundo todo?
Seria ingênuo achar que uma potência econômica e militar, como os Estados Unidos, não usaria, se achasse necessário, formas pouco ortodoxas de impor seus pontos de vista no jogo das relações internacionais. Acima de qualquer consideração de ordem moral, prevalece aí a defesa dos interesses de cada participante. O direito internacional é, em grande parte, um refém da força, não dos argumentos, dos contendores. Não é essa a questão. O inusitado foi a criação uma instituição com a finalidade explícita de usar meios condenáveis moralmente até pela maioria dos cidadãos americanos.
 Mas, pensando bem e levando em consideração que nem tudo é completamente bom ou ruim, que existem infinitas gradações entre o bem e o mal, tornando-os, algumas vezes, indistinguíveis um do outro, podemos descobrir algo saudável nessa história. Não se deve olhar apenas seu lado negativo. Devemos admitir que estamos diante da louvável mas perigosa virtude da franqueza. Enquanto a maioria dos governantes de outros países ou mesmo outros presidentes americanos provavelmente mentiriam, a administração Bush resolveu inovar e ser mais honesta ao explicitar sua intenção de espalhar falsas notícias.
Alguns descobrirão nisso um cinismo repulsivo e um desprezo pela opinião pública, tanto a dos Estados Unidos quanto a dos outros países. Outros, mais práticos, dirão que a mentira trombeteada como tal perde sua eficácia, não é uma mentira de verdade, honesta, digna, honrada. Eu aceito o argumento, mas ainda assim, acho melhor dizer sempre a verdade, nada mais que a verdade, nem que seja para proclamar uma mentira de pernas curtas.
Nisso o Bush filho é superior ao Bush pai. Este, além de presidente dos Estados Unidos, foi antes, diretor da CIA, órgão de espionagem americano. Ele tinha como uma de suas obrigações funcionais esconder a verdade, tarefa exercida com verdadeira arte. O outro é diferente, não esconde o jogo, diz logo tudo, o que quase sempre não é muito. É honesto e autêntico como uma eleição na Flórida. E com uma vantagem sobre o pai: inventou a mentira-verdade.
Ou será a verdade-mentira?

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