2 de maio de 2004

Se não agora, Quando?

Jornal O Estado do Maranhão 
A revista Veja publicou na semana passada uma reportagem sobre corrupção e desperdício nos municípios brasileiros. A chamada de capa referia-se a “Uma Praga Nacional”. Descontados os possíveis equívocos factuais e um ou outro exagero, penso que a revista reflete com bastante fidelidade a visão e as imagens que o povo brasileiro, em sua grande maioria, tem das administrações municipais. Raramente um mês passa sem se ler na imprensa notícias sobre irregularidades nelas, de norte a sul do Brasil, no Executivo e no Legislativo.
As denúncias referem-se tanto às grandes cidades, como São Paulo, quanto às menores, de todas as regiões do país. Os prefeitos, presidentes de Câmaras e vereadores acusados têm apresentado em sua defesa explicações folclóricas, algumas, da mais autêntica desfaçatez, outras. Claro, os maus dirigentes não são a maioria. Sendo, porém, minoria atuante e não tão pequena assim, acabam revelando à sociedade algo de podre nesse reino.
O prefeito de Ponta de Pedras, no Pará, era um sujeito bastante azarado. Digo era porque seu mandato acabou sendo cassado. Ele foi assaltado três vezes ao transportar o dinheiro da folha de pagamento de seu município. Um azar como esse só é comparável à sorte exibida há poucos anos, de um certo, ou incerto, presidente da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados. O deputado afirmou, sem lhe tremer um escasso músculo da cara, que ficara rico por ter ganho diversas vezes na loteria. Aliás, seus músculos não poderiam mesmo tremer porque um cara-de-pau como ele não tem músculo nenhum. Mas, o prefeito, se não era desonesto, pelo menos era pouco inteligente, visto não aprender com o erro. Um colega dele, de Imigrantes, no Rio Grande do Sul, tinha uma firma que venceu dez concorrências durante sua administração, prova não da competência da empresa, mas do seu dono em criar esquemas de autobeneficiamento com o dinheiro alheio. A revista relaciona ainda outros desvios, principalmente nas áreas de saúde e educação, neste último caso no Fundo de Desenvolvimento da Educação – Fundef.
Haverá sempre quem argumente com a proximidade entre os eleitores e os dirigentes para justificar a permanente exposição negativa destes. Esse convívio tem sido característico das pequenas cidades, que são a maioria no Brasil, embora não das grandes e médias. Ou alguém poderá dizer que as críticas divulgadas pela imprensa têm origens em disputas políticas locais, sempre radicalizadas. São esses, porém, argumentos mais do tipo “outros também roubam e desperdiçam” do que do tipo “eu não roubo nem desperdiço”. São justificativas que deveriam servir antes como aviso para a tomada de cuidados na aplicação dos dinheiros públicos. É inócuo desqualificar o acusador, como geralmente tentam fazer os acusados, mas não dar resposta às acusações. Afinal, quem não deve não teme, ou não deveria temer.
Desde 1995, os recursos destinados às municipalidades pelos governos federal e estaduais aumentaram quase 55% em resposta às pressões por mais descentralização. Por sinal uma das particularidades do nosso sistema municipal é essa, de ele receber uma percentagem alta da arrecadação nacional, em comparação com a maioria dos países. Como não se investiu, simultaneamente ao aumento dos repasses, na criação de mecanismos modernos e eficientes de fiscalização, o valor dos recursos desviados aumentou. De acordo com o Tribunal de Contas da União, o desvio era em média R$ 550 mil por prefeito desonesto em 1999. Chegou a R$ 2,69 milhões em 2003. Essa “arrecadação” tão farta nas algibeiras desse pessoal cresceu, portanto, quase cinco vezes no período. Não duvido que continue a crescer. Isso em um momento de encolhimento do dinheiro nos bolsos dos outros dos brasileiros, com grande queda da sua renda per capita.
Entre os mecanismos de controle da aplicação de recursos públicos, foram criados conselhos em cuja composição deveria haver representantes comunitários. Dessa forma, elas poderiam exercer sua função de fiscalização. Na prática, muitos prefeitos os têm manipulado sem nenhum pudor, neles colocando como membros funcionários da própria prefeitura, secretários municipais e, de modo geral, pessoas de sua confiança. Houve, até, o caso de Pau d’Arco, no Tocantins, onde o conselho é presidido por uma secretária municipal que, por coincidência, é esposa do prefeito.
Haverá esperança de erradicação da pobreza neste país, quando a base da nação, o município, está contaminada por tantas distorções e os princípios morais mais corriqueiros, de fundamental importância para o crescimento de um povo, como os de honestidade, responsabilidade e seriedade no trato da coisa pública são apenas retórica vazia, sem preocupação com o bem-estar das comunidades?
Precisamos mudar. Se não agora, quando?

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