Saúde perfeita
Jornal O Estado do Maranhão
Há três anos, eu escrevi uma crônica com o título “Coco mata”. Eu fazia referência ao conselho, de parte dos entendidos em prevenção de doenças, sobre a necessidade de se fazerem checkups anuais, depois de certa idade, que, tenho de confessar, já ultrapassei com relutância e má vontade, mas há não muito tempo. Seria, tal procedimento, uma espécie de seguro contra ataques traiçoeiros de uma doença moderna qualquer, dessas desconhecidas de nossos avós, ou mesmo das mais antigas, como derrame cerebral, atualmente chamado de acidente vascular-cerebral.
Nós, que não somos médicos nem ameaçamos ninguém com o desejo de sê-lo, ficamos sem saber como proceder a fim de preservar a saúde, pois o recomendável num momento pode não sê-lo no seguinte, como no caso da margarina que, dizem atualmente os pesquisadores, não é boa nem ruim para nosso organismo. Antes, não só não fazia mal ao coração como até o protegia, por causa de sua procedência vegetal, sendo o substituto ideal da nociva manteiga, de origem animal. Era o reino vegetal contra o reino o animal, um defendendo o nosso organismo e o outro atacando.
Vejam agora esta novidade. Dos Estados Unidos, país onde os checkups foram inventados, vem a notícia. Uma equipe de médicos e estatísticos andou examinando os exames utilizados nessas vistorias e chegou a conclusões que precisamos examinar com bastante cuidado.
O grupo deu notas baixíssimas aos preventivos de câncer de próstata, (PSA e toque retal, este de má fama entre os potenciais examinandos, que, vê-se hoje, estavam certos em rejeitá-lo, embora pela razão errada) e de pulmão (raios-X de tórax, tomografia computadorizada e análise de escarro). Os pesquisadores revelaram restrições também aos exames teoricamente destinados à descoberta precoce de câncer de ovário (ultra-sonografia transvaginal) e de doenças coronarianas (eletrocardiograma, exercícios de esforço ou tomografia computadorizada).
Em todos esses casos, ou os danos dos tratamentos precoces superam os benefícios para os pacientes, na suposição de haver eficácia nos exames, hipótese duvidosa, ou não se pode afirmar que os tratamentos adotados como resultado do diagnóstico precoce são benéficos ou maléficos. Em resumo, a recomendação é de não serem feitos regularmente. Outros testes, no entanto, como do colo do útero, medição da pressão arterial e mamografia continuam com a recomendação de realização rotineira.
E assim a gente leva a vida, na ilusão de ter boa defesa contra as doenças, mas em verdade sofrendo, por assim dizer, ataques científicos a toda hora. É difícil apontar com segurança a melhor maneira de se tratar. Dou um exemplo.
Com o fim de emagrecer e evitar os problemas de saúde sobre os quais os checkups deveriam nos avisar com antecedência, um gaúcho, sob orientação médica, resolveu fazer uma dieta de engorda, indo de 125 quilos a 134 em 70 dias. Depois, fez uma cirurgia de redução do estômago, caindo para meros 71 quilos. É que a operação, de acordo com normas das entidades médicas, só pode ser feita em obesos gravíssimos, o que ele ainda não era antes da engorda. Quase morreu no pós-operatório, mas sobreviveu, não sei se feliz ou infeliz, porque de agora em diante não poderá comer muitas comidas de que gosta, pelo resto da vida, possivelmente longa. Tornou-se um magro frustrado, sequer melhorou seu bem-estar físico e vive na incerteza sobre seu futuro.
A continuar esse excesso de, vamos dizer, zelo, chegará a hora de uma simples torção no tornozelo levar o sujeito à internação em um hospital. Lá, ele fará dezenas de exames. Se morrer durante a cirurgia, sua família terá o conforto de saber que ele se foi com a saúde perfeita, contente pelo tratamento com a melhor tecnologia disponível no mercado da medicina.
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