24 de abril de 2005

Bom Combate

Jornal O Estado do Maranhão   
Segundo estimativa da Controladoria Geral da União – CGU, os municípios brasileiros desviaram 20% de todas as transferências recebidas do governo federal no ano passado, uma enorme massa de dezenas de bilhões de reais. Casos de fraudes são freqüentes, chegando, algumas, a ser hilárias, sem deixar de caracterizar a cultura do roubo de recursos públicos, afinal arrancados do bolso de todos nós, embora algumas pessoas acreditem, ou finjam acreditar, que os governos são capazes de produzir qualquer forma de riqueza.
Há edificantes exemplos. Um edital de licitação foi publicado em um único exemplar do jornal de uma cidade, num faz-de-conta que não apareceu nos demais exemplares que circularam na mesma data atribuída ao filho único. Num município maranhense, dinheiro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi utilizado para a compra de caixões e ventiladores. Foram encontradas irregularidades graves em 90% das auditorias da CGU. Nos 10% restantes, há falhas de variados tipos e graus.
Os conselhos municipais, criados exatamente para acompanhamento pelas comunidades da aplicação dos recursos, são manipulados politicamente e estão cheios de cunhados, compadres e comadres, esposas e maridos, filhos, sobrinhos, caseiros, vaqueiros e outros aderentes dos chefetes locais.
A fiscalização é apoiada com entusiasmo pela população, mas enfrenta resistências, claro. Surpreendente seria a tranqüila aceitação pelos investigados. Prefeitos e entidades que os representam, utilizando-se do argumento de ilegalidade do sistema de sorteio para selecionar os municípios, impetraram 8 mandados de segurança contra a CGU, todos rejeitados pelo Superior Tribunal de Justiça. Mais de 740 municípios já foram submetidos a detalhada análise cujos resultados estão no portal da transparência do governo federal no endereço www.portaldatransparencia.gov.br.
Com respeito, especificamente, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, a situação não é melhor. Quase mil municípios em todo Brasil, sendo 75 no Maranhão, estão ameaçadas de não receber este ano recursos para a merenda escolar. Nesses casos, os prefeitos que terminaram seus mandatos em 2004 não apresentaram ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE a prestação de contas do dinheiro recebido nesse ano, por não acreditarem, acho eu, em punição.
Faz sentido pensar dessa forma em vista da história passada de nossa justiça, de deixar impunes gestores públicos irresponsáveis. Alguns dos ex-prefeitos não deixaram nas prefeituras sequer os documentos necessários à prestação de contas. Os atuais terão de tomar medidas legais contra seus antecessores a fim de evitar suspensão, a partir deste mês, do repasse dos valores da merenda escolar.
O espírito de irresponsabilidade de comportamentos como esses reforçou, recentemente, as persistentes tentativas em diversos escalões e setores de nosso mundo político de desfigurar a Lei de Responsabilidade Fiscal, nela abrindo brechas aqui e ali e, com estas, o caminho para mais corrupção, com ameaça ao equilíbrio das finanças públicas e o controle da inflação. Já tem até gente defendendo o incentivo a “um pouco de inflação”, situação supostamente saudável à economia, mal sabendo, ou ignorando de propósito, não existir exemplo na história econômica de “um pouco de inflação” que não tenha se tornado muita inflação, com os resultados negativos sobre os quais não vale nem o trabalho de fazer comentários, por sua obviedade. Deixemos o governo do novo PT manter o fogo cerrado em uma das poucas áreas em que ele tem boa pontaria.
Quem sabe, a continuar o trabalho da AGU, o governo possa acrescentar a sua lista de poucos acertos esse do bom combate à corrupção com a artilharia certeira da transparência. Vamos ver.

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