15 de março de 2009

Soneca



Jornal O Estado do Maranhão


Não sei se o leitor se lembra de meu assunto da semana passada. Lembra-se, claro. Não? Desculpe a pretensão. Aqui está. O ovo, considerado durantes anos e anos o vilão-mor da saúde, por nunca provados malefícios ao frágil coração humano, de repente passou a herói, a quase um certificado de garantia de que podemos viver tanto quanto Matusalém, e mais mil anos, se fizermos farras diárias e espetaculares com ele: feito farofa, omeletes e gemada. Cozido ou frito. Ovo, ovo e mais ovo. Ele foi declarado não apenas inofensivo. Passou à categoria de benemérito do nosso corpo, um insuperável viagra, uma espécie de remédio de "amplo espectro", como dizem as bulas de antibióticos, com efeitos em todo o corpo e não só nos pontos fracos da anatomia masculina. Ou nas pontas. Faz até emagrecer.
Agora outra revolução, que não sei se destruirá o Ancien Régime da prática médica, decapitando em pouco tempo quem, com a descoberta, iniciou o movimento, como a Revolução Francesa decapitaram seus líderes, acaba de ser apresentada ao respeitável público. Se o leitor estiver em pé, sente-se por favor numa confortável poltrona, se não quiser correr o risco de "ir ao chão", como Terezinha de Jesus na canção infantil. É verdade. Tirar aquela velha soneca depois do almoço aumenta o risco de aparecimento da diabetes do tipo 2, dizem respeitados cientistas britânicos, de mais respeitado ainda centro de pesquisa científica da Inglaterra, ou da Escócia. Ou será da Irlanda? Sei, lá, já não me lembro. O importante é o fato.
Quer dizer então que foi um inexcedível engano, um equívoco tenebroso toda aquela pregação sobre a necessidade de se descansar depois do almoço, a fim de recuperarmos as forças para o resto da jornada de trabalho? Nada daquilo serve mais? Nada? Foi tudo jogado no lixo? Devemos esquecer assim, sem mais nem menos? Foi mentira de capitalistas selvagens? Caíram numa esparrela as grandes empresas de todo o mundo que investiram muito dinheiro na adaptação do ambiente de trabalho a fim de que seus empregados (desculpem, colaboradores, como é moda chamar os empregados agora), possam roncar em sossego sem ter de ir pra casa, de papo pro ar ali nas barbas, ou nos bigodes, dos patrões, quer dizer, dos colaboradores-chefes?
No princípio não acreditei na notícia. Ou melhor, acreditei, sim. Afinal, refleti com calma, esse vai-e-vém sobre o bom e ruim para a saúde é mais antigo do que a minissaia ou a Jovem Guarda, mais antigo do que o Big Bang, mais antigo do que o próprio tempo. Pensei. Será o México uma nação de diabéticos? A siesta dos mexicanos, esporte nacional, é tão ruim assim, maléfica? Qual a razão de não a proibirem logo, então? E os espanhóis, conhecidos sonequeiros, irão sofrer as consequências de tão funesto hábito? Ficarão com receio de perder as forças e a capacidade de tourear? Por falta de toureiros livres da doença, não se ouvirão mais olés nas arenas de touro, apenas nos campos de futebol?
De hoje em diante nunca mais direi "esse menino não me deixa dormir" nem reclamarei quando meu neto Davi, ou, daqui a alguns meses, quando aprender a andar, minha neta Ludmila (sobre ela falarei em breve) me acordarem no meio da gostosa sesta a fim de mostrar o dedo machucado e pedir um beijo. Darei mais de um, receberei muitos e pensarei depois: Poxa, fui salvo mais uma vez.
Mas, no dia seguinte não deixarei de voltar a praticar o esporte mexicano, certo de que os dois irão me salvar, como nos filmes de aventura, no último momento, à beira do precipício tenebroso, quando a traiçoeira enfermidade estiver a ponto de lançar o assalto final sobre um membro de uma família de diabéticos no lado paterno e eterno assombrado com o espectro da glicemia.
Mas, com guardiães como Davi e Ludmila, que mal poderá me assaltar?

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