18 de junho de 2006

O torcedor número um

Jornal O Estado do Maranhão

Daqui a dois anos, o Brasil fará a comemoração dos 50 anos de seu primeiro título da Copa do Mundo, conquistado na Suécia em 1958, em 29 de junho. O país completará meio século de consolidação de sua mitologia futebolística, baseada na genialidade de muitos de seus jogadores, criadores de momentos épicos do esporte, como Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Gérson, Tostão, Jairzinho, Zico, Rivellino, Sócrates, Cafu, Bebeto, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e muitos outros que simbolizam com justiça o melhor do futebol no mundo todo.
Uma personalidade que não incluí nessa lista de grandes estrelas e pop stars (sendo estes, os astros de agora), porque quero falar dele com mais vagar, é a encarnação mais completa do futebol brasileiro, a paixão mais profunda por ele, o amor mais delirante, mais do que poderiam sê-lo qualquer um desses outros mencionados. Pelé por ser um mito tão dominante, coloca-se em outra categoria e com tanta força, que fala de si mesmo na terceira pessoa, como se estivesse se referindo a outro ser – de fato, quando assim se comporta, está falando de um ser mitológico, um dos poucos que temos, infelizmente –, e ao cidadão de carne e osso, como Édson, para irritação dos argentinos, com suas patéticas e vãs reivindicações ao direito de Maradona de residir no cume do monte Olimpo, gozando do mesmo status de Pelé, impossibilidade por si mesma evidente sem nenhuma demonstração.
Ao ver Zagalo jogar pela Seleção Brasileira nas Copas de 1958 e 1962, pois a ele me refiro, numa posição teórica de atacante, que era chamada de ponta-esquerda, denominação hoje inexistente, poucos seriam capazes de prever sua metamorfose no maior símbolo de amor à Seleção, na vitória e na derrota, com imensa fé no talento brasileiro em vencer obstáculos e com inabalável otimismo.
Muita gente achava esquisito o recuo daquele atacante tricampeão em 53/54/55 pelo Flamengo e bi em 61/62 pelo Botafogo, para onde se transferiu logo após a Copa de 58, que poucas vezes fazia gols, estava sempre preocupado com a defesa, recuava com o objetivo de ajudar o meio de campo do time, num trabalho persistente e constante, junto com seus companheiros, em favor da equipe e não de brilho individual, característica que levou a imprensa a chamá-lo de formiguinha. Seu estilo de jogar tornou-se, no correr dos anos, padrão dos jogadores de sua posição, podendo-se chamá-lo de precursor do que nos dias correntes se conhece como ala.
Abandonou a primeira carreira logo antes da Copa de 1966, aos 34 anos, a fim de seguir a de treinador vitorioso em clubes e na Seleção, a despeito de haver contestadores desse qualificativo, em geral o mesmo pessoal que vê virtudes apenas nos times da Holanda de 74 e 78, o chamado Carrossel Holandês, na França, na Inglaterra e, até, na Argentina, e é fã de Telê, como eu sou, técnico extraordinário, contudo sem a mesma sorte de Zagalo.
Mas, antes de jogador ou técnico, ele é, sobretudo, um grande torcedor do Brasil, um fã incondicional, apaixonado, emotivo, irracional em alguns momentos, supersticioso, devoto de Santo Antônio, cujo dia é 13, e, apesar disso, ou por tudo isso, símbolo do torcedor brasileiro. É o torcedor número um. Há poucos meses, o velho guerreiro, lobo no nome, mas não no coração, superou grave doença somente para estar na Copa. Em entrevista à televisão antes de embarcar, ele, homem de fé profunda, emocionou-se e chorou ao mostrar uma imagem de Santo Antônio que ele conduz e o conduz o tempo todo, e ao falar da Seleção. Pensaria na finitude humana?
Quando não estiver mais em Copas, daqui a muitos e muitos anos, ele continuará vivo na memória de todos. Se ainda estivermos aqui, nós o veremos então naquele banco, proclamando: – Agora é hexa, agora é hepta, agora...

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